domingo, 14 de setembro de 2008



"Então, tu agora também andas de canivete suíço?!..."
"É o que se arranja" - atirou-lhe, com desprezo - "se te serve, desenrasca-te!"
O outro olhou-o com ar desconfiado, estendendo a mão para o canivete. Abriu-o com cuidado, escolhendo, ao calhas, a primeira lâmina que conseguiu desencavilhar.
Depois, poisou-o na mesa, ao lado do pão e pegou na lata de sardinhas, com ar pensativo. Segurou-a firmemente com uma das mãos de encontro à mesa, enquanto, com a outra, lhe começou rasgando a tampa à volta, com a ponta afiada do canivete.
Depois de aberta, estendeu então a mão para a broa e arrancou-lhe um bocado tosco, com os dedos sujos de amanhar peixe. Lançou os olhos em volta, devagar, sobre os presentes. Ninguém dizia nada nem mexia um dedo. Abriu então a boca, enquanto, com a ponta do canivete, sacava da lata um lombo de sardinha, a pingar azeite. Com um gesto lento entalou a sardinha no pão. Olhou-os de novo, sem que nada se passasse. Um pingo de azeite caiu, em silêncio, do lombo da sardinha sobre o branco sujo dos calções. Continuava de boca aberta quando lhes disse, por fim, em tom grave e profético. "Fazei isto, em memória de mim"
E fechou a boca, abocanhando tudo numa dentada.