domingo, 14 de setembro de 2008



"Então, tu agora também andas de canivete suíço?!..."
"É o que se arranja" - atirou-lhe, com desprezo - "se te serve, desenrasca-te!"
O outro olhou-o com ar desconfiado, estendendo a mão para o canivete. Abriu-o com cuidado, escolhendo, ao calhas, a primeira lâmina que conseguiu desencavilhar.
Depois, poisou-o na mesa, ao lado do pão e pegou na lata de sardinhas, com ar pensativo. Segurou-a firmemente com uma das mãos de encontro à mesa, enquanto, com a outra, lhe começou rasgando a tampa à volta, com a ponta afiada do canivete.
Depois de aberta, estendeu então a mão para a broa e arrancou-lhe um bocado tosco, com os dedos sujos de amanhar peixe. Lançou os olhos em volta, devagar, sobre os presentes. Ninguém dizia nada nem mexia um dedo. Abriu então a boca, enquanto, com a ponta do canivete, sacava da lata um lombo de sardinha, a pingar azeite. Com um gesto lento entalou a sardinha no pão. Olhou-os de novo, sem que nada se passasse. Um pingo de azeite caiu, em silêncio, do lombo da sardinha sobre o branco sujo dos calções. Continuava de boca aberta quando lhes disse, por fim, em tom grave e profético. "Fazei isto, em memória de mim"
E fechou a boca, abocanhando tudo numa dentada.

segunda-feira, 2 de junho de 2008


não há maior satisfação
que a liberdade de expressão
nem satisfação maior
que dizer seja o que for
do que falar à vontade
não há maior liberdade
nem fechado numa cela
ele há lá coisa mais bela
que pendurar à janela
as ceroulas de flanela
a apanhar o sol do verão
é de uma satisfação
que só tem comparação
com um gajo ficar deitado
à sombra bem instalado
sem dizer nada
calado

terça-feira, 6 de maio de 2008


O sítio pouco importava. Deixava-se ficar muito quietinho e quando eles iam a passar, zás, caía-lhes em cima e desatava a malhar forte e feio, até se cansar. O prazer que aquilo lhe dava, santo deus! E a calma que vinha depois… era uma coisa inexplicável. Ficava ali, a vê-los estendidos, desfigurados e meio mortos. Por fim, sacava-lhes a carteira e limpava o dinheiro todo que lá houvesse. Só o dinheiro, que os documentos dão uma trabalheira danada, para renovar, quando se perdem… Portanto, dava-lhes uma carga de porrada e, no fim, levava-lhes o dinheiro. Não que fizesse grande questão, só p’ra não o acusarem de violência gratuita.
Sejamos pragmáticos disse ele, apontando-lhe a pistola ao meio da testa se eu agora disparasse, aí bem no meio desses olhinhos piscos, ficava um buraquinho do tamanho de uma azeitona, por onde mal escorreria um fio de sangue, escuro e peganhento. Mas a parte de trás da cabeça, por onde a bala saísse, a coisa aí seria um bocado diferente. O tiro haveria de te desfazer a nuca, espalhando os miolos por todo o lado. Uma coisa nojenta de se ver. Nojenta e deprimente, garanto-te eu.

Arre gaita, homem, você assusta-me!
O nome da canção só vem no título. É uma canção, que é um grito de indignação e revolta da juventude da minha geração, contra a opressão e a violência.
O nome da canção chama-se “Foda-se!” Obrigado.
Ainda hoje me soam cruéis na cabeça essas palavras: oh pai olha eu a nadar! Ele estava sempre na brincadeira por isso ninguém o levou muito a sério e continuámos a disparar sobre ele que esbracejava dentro d’água de forma desajeitada e aflita… só percebemos a verdade quando o sangue começou a espalhar-se tingindo a água enquanto ele se agarrava à barriga contorcendo-se à medida que se afogava. Raio do homem. Perfeito palhaço. Palhaço até ao fim.

Esperaram pacientemente que ele morresse...
E ele morreu.
Então disseram: embora fazer-lhe uma homenagem!
E foram.
pior que um mau governo, só uma oposição de merda!
que castigo dar a esses gajos, que nem o mais fácil sabem fazer, que é mandar abaixo, o que os outros querem construir?!...
que castigo dar a estes inúteis?!
mantê-los na oposição a fazer aquilo que já mostraram que não sabem fazer?!...
espetar com eles no governo, de castigo?!
ora que castigo do caraças! ir para o governo é o que essa gajada quer, porra!

sexta-feira, 14 de março de 2008

PROPOSTA DE TRABALHO

O jornalista, apresentando: “O MEU PRÓXIMO CONVIDADO VEM DO BARREIRO E JÁ VEM BÊBADO!...”
(é essencial que, no decurso da entrevista, o jornalista comente as respostas e cada gesto do convidado, como se ele estivesse efectivamente bêbado e a comportar-se de forma estranha)

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

presunção e broa de Avintes...
cada um torra a que quer!
pedi dobrada com feijão
trouxeram-me xispe com grão
comi e até estava bom
no fim chamei o garçon
falei-lhe da confusão
e exigi reparação
olhou-me de cima abaixo
e abriu-me a tola c'um tacho
a história não tem moral
portaram-se os ambos mal

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

uma recepção infusiva

quando ela chegou, estava no banho. recebeu-a mergulhado na água até ao pescoço. o vapor enchia o quarto com uma névoa espessa e húmida. ignorou a presença dela e deixou-se deslizar um pouco mais na água ficando só com o nariz de fora e os olhos fechados.visto dali, parecia uma cabeça de porco a coser para fazer com grão...

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008


Segurei-lhe no braço e obriguei-a a parar.
- conta-me lá então qual é o teu plano?
Parada, ela olhava-me com ar ausente.
- não lhe chamaria tanto um plano. é mais uma ideia, estás a ver? uma coisa ainda um pouco vaga. um esboço. uma coisa ainda um bocado assim no ar. estás a ver? não é bem um plano.é mais o género, aeroplano...

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

-Então, sempre é verdade que estiveste em Timor? Nunca mais ninguém te pôs a vista em cima!...
-É verdade, pois. Em Timor, é p'ra que vejas!
-Então, e gostaste?
-Gostei.
-E do que viste, lá em Timor, do que é que gostaste mais?
-Viqueque.
-E é preciso ir p'ra Timor p'ra ver isso?! Vais à leitaria do meu bairro e vês queques, bolos de arroz, pastéis de nata, o que quiseres. Fabrico caseiro!

sábado, 12 de janeiro de 2008

Olá, então por aqui !?...
Pois é como vês e então ?!...
E então ?!... Tu estás parvo ou quê?!
Se eu estou parvo ou quê, eu não.



(para cantar com aquela música do tózébrito )
Ontem à noite cheguei a casa aos tombos
Ontem à noite cheguei a casa aos tombos
C’uma bebedeira d’água pé
Ontem à noite cheguei a casa aos tombos
Ontem à noite cheguei a casa aos tombos
C’uma bebedeira d’água pé
Oh Laura
Oh Laura
Laurinda
Vê lá se há ainda
Algum Guronsan

Diz que a água-pé que é fodido
Diz que a água-pé que é fodido
E eu que o diga se não é
Diz que a água-pé que é fodido
Diz que a água-pé que é fodido
E eu que o diga se não é
Oh Laura
Oh Laura
Laurinda
Vê lá se há ainda
Algum Guronsan

Agora ‘tou aqui todo partido
Diz que a água-pé que é fodido
E eu que o diga se não é


s.martinho2007
O Pina Manico tinha um penico
O duque de Terceira uma arrastadeira
Já a grande Amália fazia por uma algália
Partistes com outro alguém
Nessa fria madrugada
Nem água vai água vem
Nem um bilhete nem nada

A nossa fotografia
Das lágrimas que já chorei
Ficou toda encarquilhada
Até musgo ela já tem

Nem às pedras da calçada
Nem ao basalto mais rijo
Sabe deus que ainda hoje
Às vezes ‘inda m’aflijo

Perdôo-te a crueldade
A traição e a tareia
Partistes-me o coração
Mas não me sais da ideia

Sinto a falta do teu cheiro
Do sorriso nos teus dentes
De quando me partiste um braço ao meio
Em três sítios diferentes
Aqui não se assam frangos para fora
Aqui não há cá facilidades
Aqui não há cá tupperwares
Temos é peixe de variadas qualidades

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Deus já não estava a dar despacho à criação
e deu consigo a pensar com o seu botão
do umbigo, essa mística covinha:
“e se eu, mas é, dormisse uma sestinha…?”
Era domingo e estava tudo fechado,
por isso, deus deixou-se ficar deitado;
o dia todo deitadinho no divã…
“pois sim, está bem, o mundo acaba-se amanhã!,
que eu, estas coisas, na forma como as entendo,
não é p’ra fazer… é mais p’ra s’ir fazendo!”
e isto, claro que, é escusado de explicar,
que não sou eu; isto é deus a falar !
E nesse dia, em que deus não quis cansar-se,
deixou o homem fazer merda até fartar-se
e na segunda, já depois de bem dormido,
deus acordou e ia morrendo: “’tou fodido!”

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008


Um cidadão caucasiano, de meia idade e fato escuro, entrou esta tarde na farmácia Estácio, no Rossio de Lisboa e, dirigindo-se ao balcão, pediu uma caixa de aspirinas e um pacote de lenços de papel.
Depois de atendido o pedido, pagou e saiu, sem olhar para trás.
A funcionária da referida farmácia, contactada p’la nossa redacção, garantiu que o individuo em causa não é cliente habitual do estabelecimento, nem lhe apontou nenhuma pistola, ou arma branca.
Quanto ao pedido, afirmou ser habitual, nesta altura do ano. O sol intenso e a humidade nocturna dão cabo da saúde a muita gente. Também as vendas na farmácia, onde tudo se passou, a mesma funcionária esclareceu que se mantém dentro do razoável, tendo em conta a crise que o sector atravessa.
NO TEMPO DOS ASSASSINOS
ALGUNS COMIAM PEPINOS
MAS JÁ OS MAIS VIOLENTOS
SÓ TOMATES E PIMENTOS
NO TEMPO DOS ASSASSINOS
FAZIAM DOS INTESTINOS
AS POBRES POPULAÇÕES
CHOURIÇAS E CORAÇÕES
NO TEMPO DOS ASSASSINOS
OS MÉDICOS OTORRINOS
ESTENDIAM NAS BANCADAS
AS GARGANTAS JÁ CORTADAS
NO TEMPO DOS ASSASSINOS
SENHORIOS E INQUILINOS
UNIDOS NA MESMA LUTA
FOI UM TEMPO FILHO DA PUTA...

...O TEMPO DOS ASSASSINOS!